No clássico da Disney, a “Gata Borralheira” vira uma princesa. Na telenovela ou na série de TV, a Betty feia se transforma em um belo e cobiçado Cisne. No filme, em um passe de mágica Penélope (EUA, 2008) acaba com a maldição que traz para sua aparência física o que ela é por dentro, ao ser amada por alguém de sua própria estirpe e por ela mesma. Tal como o poeta dizia, o mundo enfatiza que “beleza é fundamental” e a propaganda não deixa o discurso estético de fora. Contudo, vemos um movimento em que este argumento chega com certa sensibilidade e passa a nos comover. E isso é importante dentro de um contexto em que o empoderamento feminino é argumentado como um debate meramente feminista. Sim, no mundo moderno não basta ser mulher, é preciso ser compassiva, profissional, caseira e bonita. Contudo, os modelos e conceitos estéticos variam no mundo de hoje, afinal, estamos em pleno século XXI. Podemos dizer que esta reflexão começou com o entendimento de marcas e da publicidade mundial sobre a representação mais condizente com o seu sentimento. “Acredito que o segmento de beleza ainda enaltece exageradamente a beleza de mulheres perfeitas. Mas isso tem mudado muito com a publicidade de grandes marcas como Dove e Natura, que mostram belezas diferentes e verdadeiras, sem o photoshop que não convence mais ninguém”, comenta Taciana Antunes, supervisora de atendimento da Martpet (PE).De fato, empresas de cosméticos tem se movimentado no sentido de quebrar os estereótipos e a ideia de que os padrões estéticos e de beleza são únicos. Podemos considerar que a Dove começou este debate do “you´re beautiful no matter what they say” (você é bonita, apesar do que dizem), no início de 2000, quando passou a estimular o conceito de “Real Beleza”. Depois de tantas décadas de mensagens publicitárias definindo que elas precisavam ser bonitas, atraentes, sexies e ainda ter a aparência de uma garota e comportamento de uma dama. O sentimento era quase de revolução, afinal, uma maioria podia se identificar com suas rugas, com suas estrias, os seus pesos a mais, seus cabelos cacheados, peitos pequenos, pernas finas, e por aí vai. “A publicidade feminina continua limitando a imagem da mulher de tal forma que, quando uma campanha mostra algo próximo de nossa realidade, batemos palmas, comemoramos. Continua sendo uma exceção mostrar a mulher de maneira plural”, diz Talita Rampazzo Diniz (PE), coordenadora do curso de Publicidade e Propaganda/Jornalismo da Faculdade Boa Viagem (FBV|DeVry).
Esta maneira de ver e identificar o público feminino com suas características próprias, longe dos estereótipos não só foi um grande sucesso como teve diversos desdobramentos ao longo desses 12 anos de existência do posicionamento “Dove pela Real Beleza”. Em um mundo em que a comunicação segmentada por gênero não as contemplava, a proposta trouxe peças de impacto em que mulheres de qualquer forma e idade foram privilegiadas com o argumento que “beleza é um estado de espírito e que o poder de se sentir bonita vem de dentro”. Um posicionamento que partiu da iniciativa de valorizar as consumidoras que revelaram a visão de si mesmas em uma pesquisa mundial (“Você se acha Bonita?”), realizada em mais de 20 países. “A campanha Real Beleza não só foi pioneira em mostrar a beleza feminina sob uma perspectiva diferente e verdadeira, como também exibiu mulheres negras, e passei a me ver também representada na campanha. E com isso foi uma divisora de águas, em minha opinião. Até então, muitas campanhas ainda traziam a imagem estereotipada das mulheres – donas de casa, gostosas, mães, etc. Acredito que hoje em dia as marcas estão mais cuidadosas com as mensagens que divulgam, seguindo o exemplo da campanha bem sucedida da Dove”, destaca Dilma Campos (SP), diretora do Comitê Women Empowerment da AMPRO – Associação de Marketing Promocional e CEO da agência Outra Praia.
Para a executiva, quando se pensa em publicidade feminina é preciso se considerar que é importante que as campanhas femininas retratem uma faceta verdadeira das mulheres das gerações atuais. “A população está cada vez mais informada e, através das redes sociais, pode destruir a imagem de uma marca que exponha uma campanha de mensagem duvidosa”, lembra. Com isso, a comunicação se torna mais eficiente e assertiva quando alcança o conceito e o formato que seja crível para o público com o qual se dirige. Encomendado pela Dove, o estudo ‘A Real Verdade sobre a Beleza’ não só serviu para ampliar o conhecimento global a respeito das mulheres, da beleza e do bem estar, e a relação entre essas questões. Ela pontuou os conceitos básicos aplicados na “Campanha pela Real Beleza”, que busca valorizar nas ações da marca a beleza que não está dentro do padrão tradicional. Mais do que ganhar mais consumidoras, a iniciativa partiu da crescente preocupação com o fato de que as representações da beleza feminina no cotidiano estavam cooperando para perpetuar uma ideia de beleza que não era nem autêntica, nem atingível.
O estudo “A Real Verdade sobre a Beleza”, aplicados pela empresa de pesquisa StrategyOne utilizando os serviços de campo da MORI International, teve como amostragem um público de 3.200 mulheres com idades variando de18 a 64 anos. E seus achados foram detalhados em artigo técnico na época, 2004, que destacou por exemplo que a maioria das entrevistadas não sentiam o o poder ou o orgulho da beleza. Apenas uma minoria das mulheres se enxergava como acima da média em aparência, e somente 2% alegavam ser bonitas. Tomando-se como referência o contexto de bem estar e autoestima, observou-se que pessoas de culturas ocidentais (mas não da Ásia Oriental) se classificavam como acima da média em tudo, desde gentileza, inteligência e popularidade até suas habilidades como parceiras, pais ou funcionária, motorista. Neste sentido, “Normal” era excepcionalmente uma classificação inferior. E, em termos gerais, as mulheres estavam menos felizes com sua beleza do que com praticamente todas as outras dimensões da vida, com exceção do sucesso financeiro.

O resultado disso tudo gerou uma busca pela “transparência” na personificação da mulher em campanhas sensíveis e de impacto para mulheres de diversas, raças, formas, faixas e classes sociais no Brasil e no mundo: “Evolution” (2006), “Beauty Comes of Age” (2007), “Retratos da Real Beleza” (2011), “Escolha ser bonita” (2015) e “Existe Beleza Fora da Caixa” (2016). “Acho que o mercado publicitário anda correndo atrás do tempo perdido. É um segmento que, apesar de se enxergar como moderno e revolucionário, demorou a compreender a questão do protagonismo feminino e ainda hoje não sabe bem como se posicionar/comunicar. Ainda temos muito o que evoluir, mas é muito fácil perceber que há esforço nesse sentido. Enxergo também um esforço por parte do consumidor que, apesar de muito crítico, compreende esse momento de fragilidade e dialoga com a marca. Os publicitários e marcas que conseguirem se dar conta disso sairão ganhando”, ressalta Mayumi Sato, diretora de marketing do portal Sexlog (SP).
Em sua avaliação, há um posicionamento no geral do mercado com relação à mulher, com as marcas se comunicando com as mulheres de forma mais expressiva e que vai além da comunicação oportuna em datas comemorativas com o objetivo de surfar numa onda e gerar faturamento. “É preciso tratar o consumidor com respeito. Abraçar a questão do feminino na missão e valores da empresa durante o ano todo. Isso garante que as campanhas sejam coerentes e bem recebidas por esse público”, enfatiza Sato, que cita como uma referência bem sucedida campanha criada pela ESPN. Em recente projeto, criado pela Africa, a empresa realizou uma homenagem as mulheres e enfatizou a importância de trazer cada vez mais conteúdos que privilegiem suas realizações no esporte.
“Pessoas amantes de esportes foram convidadas a descobrir quem eram os esportistas retratados em vídeos que escondiam suas identidades. 100% das respostas indicavam atletas masculinos, mas eram todas super atletas mulheres”, lembra Mayumi. A campanha “Invisible Players” traz um curta de 2’ que começa com uma pergunta simples que se torna um dos questionamentos mais simbólicos desta questão: “O quanto você sabe sobre esportes?”. No institucional são retratados alguns lances de diferentes esportes (basquete, futebol e surfe) com atletas não identificados para que convidados de ambos os sexos identificassem esses atores anônimos. E a surpresa foi a indicação de nomes fortes como Neymar, LeBron James e Medina, o que leva todos perceberem que, em momento algum, haviam cogitado ou mencionado alguma atleta feminina, fazendo-os encarar uma realidade: “Você pode até saber sobre esporte, mas se não acertou as respostas, precisa aprender mais sobre o poder da mulher”.
Com o comercial, a ESPN e a Africa mostram como o consciente brasileiro está condicionado em diversos ambientes diários à imagem do homem como o grande conquistador. E isso justifica o novo posicionamento e o investimento em uma nova plataforma no Brasil, o ESPN W (www.espnw.com.br), portal de notícias que tem como objetivo proporcionar conteúdo multimidia de interesse esportivo para elas e fomentar o esporte feminino brasileiro de maneira geral, não se restringindo somente às competições e atletas de alto rendimento. “Gosto dessa campanha porque é algo que conversa, sem forçar a barra, com o negócio da ESPN, que são os esportes, e desconstrói a ideia de que esse é um espaço aberto às mulheres. Cutuca nossos preconceitos de um jeito sutil, emocionante e de fácil compreensão. A campanha cria empatia com quem assiste e – o mais importante – gera questionamento”, reforça Sato.
Entender com quem se fala e saber como transmitir essa mensagem ainda é um grande desafio, mas as marcas não se dão por vencidas. E novas formas de se comunicar estão ganhando cada vez mais as mídias e gerando toda uma nova visão da propaganda feita para dialogar com elas, todas as suas esferas de atuação. Afinal todas querem alguma coisa como mostra a campanha da marca esportiva Under Armour, que reuniu a bailarina Misty Copeland, a modelo Gisele Bundchen, a esquiadora profissional Lindsey Vonn e a tenista Sloane Stephens no projeto I Will What I Want (“Eu serei o que eu quero”, numa tradução em português), criado em 2014, pela Droga5 de Nova York. “I Will What I Want da Under Armour me marcou recentemente porque teve a sensibilidade de ilustrar a força da mulheres sem usar a estética perfeita e felicidade plena”, destaca Fabiana Baraldi, sócia e diretora Executiva de Atendimento e Mídia da Ampfy (SP).

Para a publicitária, apesar do Brasil ter uma diversidade de mulheres, é fundamental se ter em mente que o comportamento e a forma como elas realmente querem ser ouvidas não segue um modelo ou está preso a estereótipos. “Definitivamente, este é o caminho mais retrógrado. Mas ainda somos uma minoria em cargos de lideranças, enfrentamos preconceitos (muitas vezes velados), somos comparadas e direcionadas a se moldar ao universo masculino. Isso sem falar do desequilíbrio salarial. Mesmo assim, não desistimos e não nos conformamos. A competência deve ser medida por resultado, não por sexo. O respeito deve ser a premissa de qualquer contexto”, enfatiza Baraldi. E é isso que a campanha da Uner Armour promove nos quatro filmes de 60”, que mostram em áudios, textos multimídias e testemunhos que independente de quem sejam, inclusive em relação a origem e características, as mulheres tem que ultrapassar diversas barreiras e percalços no caminho. ais do que beleza, discursos mostram força das mulheres na propaganda
* Matéria produzida pela jornalista Ivelise Buarque para a Revista Pronews, edição de Julho/ 2016, número 195