A eterna emoção em vermelho

“Um Conto de Natal” de Charles Dickens

O Natal é um período encantado para a criançada, uma grande aposta para o comércio e uma grande inspiração para o mercado. E isso não é à toa, pois com fim da recessão, investe-se nas fortes vendas que as festividades podem proporcionar. Com a confiança dos brasileiros, acredita-se que o consumidor volte a ampliar as compras e com isso os pedidos às fábricas aumentaram 12%. Uma das principais datas comerciais, as festas natalinas envolvem definitivamente mais do que pão de ló, peru, panettone, contos clássicos na televisão e aquela música chiclete que nos habituamos em ouvir. O Natal carrega consigo a própria simbologia da esperança, da paz e da mudança, como enfocado pelo escritor inglês Charles Dickens em sua obra “Um Conto de Natal” (1843). Mas, para o mercado, as perspectivas são sempre fortes e a propaganda ajuda nesse sentido, promovendo uma comunicação que encanta, emociona e antes de tudo instiga a alam do consumidor, para contribuir para que esse espírito se converta em vendas. “O Natal representa união, presença e reafirmação dos laços familiares. E também, mesmo não sendo uma pessoa religiosa, considero a data um momento bastante propício para agradecer e pensar nos ensinamentos do aniversariante do dia, afinal esse é o real propósito do Natal. Voltando o pensamento para o mercado, mais especificamente para o mercado brasileiro, acredito que se torna ainda mais importante nos dias atuais, dado que a crise econômica vem gerando retrações significativas tanto na indústria quando no varejo. Assim, datas comemorativas como Natal e mesmo Dia das Mães, tornam-se momentos vitais para que ambos possam recuperar-se, pelo menos em partes, do impacto negativo gerado pela diminuição de renda da população”, diz Karina Milaré, diretora da REDS Research (SP).É por isso que o período de tornou um importante catalizador de investimentos, especialmente no mercado de propaganda. Seja em uma publicidade institucional, comercial ou promocional, os exemplos mostram que o que importa é manter a magia acessa para gerar bons negócios. “Como as pessoas associam o Natal ao presente, o comércio em geral se beneficia e ainda estimula essa relação, 90% dos comerciais vão mostrar cenas de pessoas reunidas e se presentando. Hoje com uma redução no consumo devido aos problemas políticos e econômicos recentes, o comércio vê nessa data uma esperança de retomar o crescimento e buscar diminuir um pouco o prejuízo acumulado dos últimos meses. Mesmo na crise as pessoas querem ter suas casas arrumadas para receber os parentes, e vão presentear como forma de demostrar carinho entre elas. Pode ser até um presente de valor mais baixo, mas não deixam de presentear”, destaca Aristides Brito, professor de Graduação e Pós-Graduação em Propaganda e Marketing da Universidade Santa Cecília (SP).

E as marcas entram no clima com muito vermelho a postos mostrando que a magia tem que estar no ar para florescer não só os bons sentimentos que são característicos deste período como uma das formas mais atraentes de chamar a atenção do consumidor. E a história da propaganda enfatiza que “Então é Natal”. Algumas das primeiras campanhas a resgatar estes sentimentos de muita emoção sem sombra de dúvidas foram a da Varig (1960) e a do ex-Banco Nacional (1975), que traziam jingles que se tornam imortais e cases de sucesso. “Entre tantas campanhas natalinas muito bem elaboradas, considero memorável o jingle do Banco Nacional para o Natal de 1985. Ele é um marco na propaganda brasileira, sendo utilizado em várias campanhas do banco. Muitas pessoas continuam cantando a música (‘Quero ver você não chorar, não olhar para trás, nem se arrepender do que faz…’) como uma canção natalina, desconhecendo que esta foi criada com um fim publicitário”, lembra a publicitária pernambucana Paula Dias, professora da Faculdade dos Guararapes (PE).

Aristides Brito da Universidade Santa Cecília (SP)

De cunho institucional, as duas campanhas ainda são carregadas de vitalidade até hoje. Com criação do ícone publicitário Lula Vieira, a campanha marcou época e o jingle criado pelo catarinense Emilio Cerri Neto conquistou o Prêmio Colunistas de Melhor Mensagem de Natal de 1975. Mas, a canção para a empresa de aviação criada pelo paulistano Caetano Zamma também sobreviveu por gerações sendo, inclusive, resgatada em 2005 com uma regravação de Jorge Benjor nos vocais. Essas bases simples configuram como esse encanto natalino marca e eterniza uma mensagem. “As campanhas de comunicação atuais mantêm a questão do apelo emocional e espírito natalino. No entanto, mostram novas propostas e formatos das famílias do cenário atual. As tecnologias que surgiram trazem novos caminhos e abordagens para atingir o consumidor. Vão se destacar aquelas que conseguirem estratégias criativas para saírem do óbvio e conseguirem atrair os olhares dos consumidores”, comenta Camila Leoni Nascimento, sócia-diretora da LB Comunica (SP).

Para a mestre e doutoranda em Marketing pela Faculdade de Economia e Administração da USP, a data é importante para o mercado porque traz resultados diretos ao faturamento devido ao aumento nas vendas de alimentos, bebidas e os presentes. E algumas marcas souberam utilizar bem os apelos comuns desse período como a Coca-Cola que criou campanhas memoráveis com personagens icônicos como os ursos polares. “As campanhas da Coca-Cola marcaram muito a minha geração, sempre pontuadas por elementos fortes do Natal e grande apelo emocional. Além disso, a própria cor vermelha, muito utilizada nesta época do ano, é a cor da roupa do Papai Noel e a própria cor da marca”, lembra Camila. De fato, a marca de bebida acredite na magia do período e na mensagem que resgata a crença no espírito do Natal, há muito tempo. E por conta disso, talvez seja dela o maior case de sucesso na construção do imaginário que temos hoje nesta data com a popularização da imagem do próprio Papai Noel na forma como conhecemos hoje (barba branca, trajes vermelho com detalhes pretos).

 

https://www.youtube.com/watch?v=gsJ28sFmCw0

“Esse personagem ganhou popularidade através da Coca-Cola em 1931. Em uma única propaganda, a empresa reunião bondade, felicidade e todos os atributos positivos que um personagem pode ter, além do fato do mesmo ainda distribuir presentes para todas as crianças do mundo. Não tem como dar errado. É bem parecido com a fórmula que vemos repetidamente hoje em comerciais com crianças e filhotes de animais que brotam em diversas comunicações mundo afora”, enfatiza Tiago Lima, diretor operacional da IWM Agency (SP), agência especializada em influenciadores de marketing. E essa vertente das expectativas trazidas pelo bom velhinho é tão essencial em suas campanhas que as ações estratégicas para marcar a data forma progredindo e se destacando cada vez mais ano a ano, de década para década. “É até divertido pensar que Natal é uma época de tanta efervescência publicitária. Que não tenho nenhuma grande campanha das mais antigas a destacar. Mas certamente devo citar o trabalho da Coca-cola mais pelo conjunto da obra. É louvável que uma marca que nem é das mais beneficiadas pelas vendas neste período, seja a mais lembrada ano após ano. Uma execução bem criativa aconteceu faz pouco tempo, quando o pessoal da Ogilvy resolveu que o Velho Noel iria responder as cartas antigas de muitas crianças”, menciona Davi Bertoncello, CEO da agência de pesquisa de mercado e inteligência Hello Research (SP).

A marca que há mais de 80 anos repercute essa efervescência não ficará atrás este ano. Neste 2016 ela apostou forte em uma ampla estratégia que envolve desde a promoção das tradicionais Caravanas de Natal com caminhões decorados até a campanha global que foi adaptada para o Brasil. Com o mote “Neste Natal, agradeça com Coca-Cola”, conta com filmes em versões 30” e 60” que narram a história de um adolescente que decide fazer agradecimentos por meio da Coca-Cola. “Todas as grandes campanhas de Natal, sobretudo aquelas que trazemos em nossa mais longínqua memória, como as da Coca-cola, por exemplo, de um modo ou de outro exploram a afetividade, o estar com o outro. Campanhas famosas até retratam a solidão de um personagem, mas só para mostrar que, se você olhar bem, não há razão para estar sozinho. E no Natal, a solidão é uma temática praticamente inaceitável, pois as pessoas procuram estar em família, com os amigos ou com alguém muito especial”, reforça o radialista Anderson Barreto, consultor e pesquisador de Social Media e Cibercultura (PE).

Para o profissional, a afetividade, o amor e a união acabam sendo o maior catalizador emocional das campanhas natalinas e uma em especial conseguiu traduzir isso de forma mais surpreendente em toda história da propaganda: a da rede de supermercados da Alemanha Edeka, criada o ano passado que aborda o peso do amor em um comercial que viralizou, emocionou pessoal em todo o mundo e fez milhões chorar. “Nela, várias pessoas estão tristes e nervosas se dirigindo ao mesmo local: o funeral do pai. Porém, ao chegarem à casa do patriarca, são surpreendidos pelo próprio, que, vivo, explica a todos que fazer-se de morto era a única maneira de reunir toda a família. O impacto disso é tamanho que muitas pessoas se emocionam com o vídeo exatamente por criarem uma forte identificação com essa história”, completa Barreto. Apostando no emocional, o enredo do pai e avô que passa constantemente seus natais sozinho e isolado em casa estimula a reflexão da busca mudança dos costumes familiares, a partir da exploração de um storytelling, construído em torno dessas questões sociais e emotivas.

“Pensando na comunicação natalina, principalmente dos grandes varejos, vemos que a troca de presentes é o grande mote criativo, junto com arvores e Papai Noel. Porém, existem exceções. A recente campanha da rede de supermercados Edeka gerou quase 50 milhões de visualizações no YouTube com um filme que retrata a dificuldade de reunir a família no Natal”, lembra Paula Dias. Essa comovente história do senhor que finge sua morte e, desse modo, consegue reunir os seus filhos e ter uma ceia de Natal mostra que uma das receitas de sucesso para data é a empatia, assim como a maioria dos anunciantes fazem tradicionalmente, contudo, a proposta da criação reforça que a emoção é mais do que uma estratégia para conquistar o público.

https://www.youtube.com/watch?v=F4UM8uE-f5c

“Para as campanhas serem memoráveis precisam destacar e surpreender. Por isso, não acredito que seja necessário fugir dos famosos encontros familiares e toda magia que a data em si carrega, mas gosto de bons desfechos”, diz Lucas Burza, sócio-fundador e diretor de conteúdo da Agência Linka (SP). Para o publicitário que considera a data como uma “volta as origens” e, por outro lado, a última e melhor chance para o mercado de se fazer o ano ter valido a pena, financeiramente. E, sendo assim, as estratégias precisam ser cada vez mais interessantes. “Tenho visto excelentes campanhas e ações. Porém parecem muito fora da caixa, quando comparadas com a comunicação e ações que trabalharam durante o ano. É como os primeiros capítulos de uma novela – normalmente melhores – mas um tanto desalinhados com os outros 99% da trama”, completa.

* Parte de Matéria de Capa sobre comunicação e ações de marketing pautadas para o Natal, produzida pela jornalista Ivelise Buarque para a Revista Pronews, edição de Dezembro/ 2016, número 198.

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